O caderno Ilustríssima (Folha de S. Paulo) de domingo (22/09/2013) publicou um trecho da tradução de Locus solus, de Raymond Roussel, a ser lançado em novembro pela C&B
À medida que subíamos, a vegetação se tornava mais rara. Logo o solo acabou de se desnudar completamente e, no final do trajeto, avistamos uma grande esplanada inteiramente descoberta.
Demos alguns passos em direção a um ponto onde se erguia uma espécie de instrumento de pavimentação, lembrando por sua estrutura as “demoiselles” -ou maços de calceteiro- empregados no nivelamento das ruas.
De aparência leve, ainda que inteiramente metálica, a “demoiselle” estava pendurada em um pequeno aeróstato amarelo claro que, por sua parte inferior, alargada circularmente, fazia pensar na silhueta de um balão.
Embaixo, o chão estava guarnecido da maneira mais estranha.
Numa grande extensão, dentes humanos se espalhavam por todos os lados, oferecendo uma grande variedade de formas e cores. Alguns, de uma brancura luminosa, contrastavam com incisivos de fumantes que forneciam a gama inteira dos castanhos e dos marrons. Todos os amarelos figuravam no estoque bizarro, desde os mais vaporosos tons palha até as piores nuances fulvas. Dentes azuis, claros ou escuros, traziam seu contingente a essa rica policromia, completada por um sem número de dentes pretos e pelos vermelhos pálidos ou berrantes de muitas raízes sanguinolentas.
Os contornos e as proporções diferiam ao infinito –molares imensos e caninos monstruosos ao lado de dentes de leite quase imperceptíveis. Numerosos reflexos metálicos brilhavam aqui e ali, provenientes de chumbagens ou aurificações.
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